Dedicar-se

Estes dias estive pensando em como a ação de dedicar-se torna a vida muito mais fácil e leve… Porém, ao buscar a palavra “dedicação” no dicionário, me surpreendi ao encontrar dois significados distintos que, penso eu, mudam completamente a forma de viver de quem é dedicado. O primeiro fala sobre sacrifício e devoção; o segundo, sobre manifestação de amor, apreço e consideração. Ao perceber essas diferenças, constatei que a dedicação que pratico diariamente está diretamente relacionada ao segundo significado.

Acredito que a dedicação reside nesse espaço amoroso, de apreço e consideração, pois só consigo me entregar a causas realmente importantes para mim — causas que eu mesma descobri, que possuem relevância e que me fizeram transitar de um estado em que estava para outro que considerei mais evoluído.

Se a dedicação a tudo que representa a minha vida estivesse atrelada a sacrifícios, que me fazem lembrar da palavra “castigo” (aquela bem ultrapassada que pai e mãe usavam para penalizar os filhos por “mau” comportamento), certamente eu seria muito diferente e tudo estaria em um lugar inalcançável, pois entendo que sacrifícios são pesados e tornam a vida mais difícil. A devoção também não me parece uma ação natural e espontânea. Para mim, é algo programado, talvez coletivo, impessoal e não personalizado, muito diferente da caminhada individual que entendo ser necessária para a evolução de cada um de nós.

Eu tenho algumas causas importantes na minha vida, pelas quais me dedico de forma amorosa e consciente, sem que isso se transforme em uma ação pesada de carregar, um sacrifício ou um castigo.

Dedicar-se às minhas filhas é não precisar tirar férias delas para poder ter outras vivências. Na verdade, sinto o contrário… quando fico longe, mesmo que por uma noite, sinto falta da presença delas e das nossas trocas. Sinto um amor sem fim. Além disso, elas são estímulos importantes no meu desenvolvimento e entendo que meu papel também é crucial para o desenvolvimento delas. Gosto de estar presente e de acompanhar a jornada delas.

Dedicar-se à relação amorosa com meu marido é contar com ele para tudo, desde a divisão justa das tarefas domésticas até o apoio emocional nos momentos difíceis. É fazer planos juntos, crescer juntos, criar os nossos próprios valores como família e estabelecer nossos próprios rituais; é manter viva a paixão e o encanto pelos novos “Fer e Gui” que conseguimos ser ao longo desses quase 20 anos juntos.

Dedicar-se à minha família de origem é saber que podemos contar uns com os outros. É ter vontade de estar junto, enxergar nossas diferenças e poder falar abertamente sobre elas sem ofensas. É olhar para trás e agradecer pelas referências, tanto positivas quanto negativas, e entender que, mesmo após sofrermos traumas na infância ou adolescência, isso não define quem somos para sempre.

Dedicar-se aos meus amigos e amigas é cultivar amizades que realmente me preenchem e alegram minha vida. É ter pessoas próximas que gostam de quem eu sou, que realmente me conhecem e que me fazem sentir à vontade para mostrar tanto meu lado bom quanto aquele menos iluminado. É poder conversar sobre diversos assuntos e encontrar muitas semelhanças em nossos valores. É estar próxima de quem me apoia e apoiar sem julgamentos.

Dedicar-se à alimentação é nunca mais precisar fazer dietas ou me privar de prazeres alimentares. Hoje posso dizer, depois de viver momentos muito conturbados em relação à minha alimentação, incluindo distúrbios alimentares e contagem diária de calorias, que encontrei o meu lugar de paz. Encontrei a coerência que buscava entre o cuidado que tenho na relação com as pessoas que me relaciono e o cuidado com os alimentos que consumo. É me alimentar e sentir que tudo o que penso está relacionado ao que como. É respeitar os animais, fazer minha parte pela questão ambiental — tão urgente —, promover minha saúde, estimular o pequeno produtor e não me envenenar.

Dedicar-se à atividade física é acordar estimulada a praticar, independentemente das condições climáticas. Se está frio, chovendo ou muito calor, minha motivação para o exercício é a mesma. Dedicar-se é sentir na alma e no corpo os benefícios dessas práticas físicas e entender os efeitos do que escolhi praticar no meu dia a dia, na minha disposição para estar inteira para mim, minhas filhas, meu marido, trabalho e tarefas cotidianas.

Dedicar-se ao meu trabalho é sair de férias sem me preocupar em repensar minha permanência no lugar onde estou empregada. É buscar ações transformadoras a cada dia, construir relações saudáveis com todas as pessoas com quem me relaciono, praticar a escuta e sentir-me à vontade para apresentar minhas ideias e me posicionar. É ter um olhar generoso para a minha caminhada e entender que ainda tenho muito a aprender no espaço onde estou, que é feito de pessoas, e cada uma delas desempenha um papel importante no meu desenvolvimento.

Dedicar-se à nossa gatinha, chamada Brisa, é respeitar e estar atenta aos seus instintos naturais. É não transformar sua presença em nossa vida em uma limitação social. É compreender que ela merece um tratamento diferente do que dou às minhas filhas e reconhecer que a relação que construo com ela é pessoal e não deve ser imposta a outras pessoas. É respeitar o espaço dela, assim como o das pessoas que vêm até nossa casa nos visitar.

Optarei sempre pela dedicação amorosa, individual, mas muito bem acompanhada, à vida que consegui construir nesta minha trajetória.

Agradeço imensamente a imagem de Jonny Lew.