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Este dias estive pensando em como a alimentação na infância deixa memórias em nossa vida adulta. Quem não se lembra do bolo que a avó preparava ou aquele prato tradicional da família no almoço de domingo ou aquele café da manhã que comíamos quando dormíamos na casa da melhor amiga ou amigo? Todos e todas nós temos memórias afetivas relacionadas à alimentação. Este pensamento sempre vem à minha mente quando preciso decidir entre comprar algo para minhas filhas comerem ou eu mesma preparar. Depois que me tornei Mãe, mesmo quando minha primogênita estava no meu ventre, me senti convidada pela energia da vida que eu carregava a ser mais íntima da cozinha e ser mais íntima da boa nutrição, ainda que esta tenha sido a minha escolha de graduação. Depois que minha filha nasceu, as transformações continuaram acontecendo… me tornei mais criativa para oferecer diversidade e a ser mais crítica em relação ao que seria oferecido a ela, tanto por mim quanto pelas outras pessoas. Conforme minhas duas filhas foram crescendo, alguns desejos foram também crescendo dentro de mim e precisei tomar algumas decisões e fazer algumas escolhas importantes nesta área que é fundamental para qualquer ser humano. Decidi que quero deixar marcas nas memórias delas, que quero até ter um livro de receitas da família, que quero que alguma receita minha vire umas das receitas famosas da nossa família e que vá passando de geração em geração. Quero seguir viva através destas receitas… viva na vida de meus netos e netas, bisnetos e bisnetas, tataranetos e tataranetas. Quero que minhas filhas tenham autonomia para cozinhar, que não dependam de comidas prontas da indústria ou de aplicativos de delivery ou que alguém cozinhe diariamente para elas. Quero que elas se encantem com a alquimia da mistura de ingredientes, que elas gostem de fazer experimentos culinários, que elas olhem uma berinjela e já enxerguem uma lasanha, que olhem uma farinha e já vislumbrem um pão quentinho, saído do forno da casa delas. Quero que a alimentação seja até considerada um presente… oferecer uma janta para alguém que está de aniversário, fazer um bolo caprichado para entregar um pedaço a alguém que trabalha com elas. Quero que elas se lembrem de como o Pai delas também se envolvia muito na cozinha, e que ele também tinha seus pratos especiais, que amava fazer a elas, assim como lembro do meu Pai, muito ativo neste ambiente que infelizmente acaba sendo uma responsabilidade somente da matriarca em muitas famílias. Quero que elas saibam ser críticas na hora de fazerem suas próprias escolhas, que não sejam analfabetas funcionais de rótulos de produtos industrializados, que saibam interpretar o que está escrito além das lupas pretas, fundamentais para educar a população… sei que não vamos nos livrar tão cedo dos ultraprocessados e que muitas vezes precisamos dos industrializados para trazer praticidade no dia a dia, por isso quero treiná-las para não serem enganadas e, caso levem para casa delas alguma preparação fabricada pela indústria, que seja uma escolha consciente. Quero que elas entendam que o ambiente da cozinha é um lugar também de frustração, pois nem toda a receita dá certo, e que isso não seja um estímulo para “pendurar as panelas”. Quero que lembrem de como eu gostava de ouvir música cozinhando. Quero que não romantizem a realidade de quem cozinha, que se lembrem que as vezes eu estava cansada e sem inspiração e ainda assim cozinhei por necessidade. Desta forma, elas não se cobrarão quando não estiverem tão animadas para preparar sua própria comida. Que elas lembrem dos nossos encontros na cozinha, e como nos apoiávamos e colaborávamos para que ninguém tivesse sobrecarga, e como foi difícil chegar neste modelo ideal, mais democrático e inclusivo. Que elas lembrem que arrumávamos a mesa para nós, assim como arrumávamos para as visitas, pois também merecíamos uma mesa bonita. Que elas se lembrem de como participavam de todo o processo, escolhendo no carro, na volta da escola, o que íamos fazer juntas na cozinha, comprando os alimentos, preparando, arrumando a mesa e comendo com orgulho e prazer, pois fizeram parte de toda aquela magia. Que elas se lembrem que tão importante quanto a comida é a nossa harmonia ao sentar à mesa para nos alimentar, sem televisão, sem distrações, com trocas sinceras e ricas, estando felizes ou tristes por algum acontecimento do dia. Que elas se lembrem de como é importante comer em família, todos juntos.
Espero que elas possam ter uma horta orgânica na casa delas, nem que seja de temperos, e que gostem de cuidar. Espero que até lá as verduras e frutas orgânicas, sem agrotóxicos, sejam acessíveis para toda a população. Espero que estes venenos todos que são liberados para o uso aqui no Brasil, e a falta de fiscalização, já tenham sido página virada na nossa história, e nossos alimentos e nossa água sejam livres de venenos. Espero que elas se lembrem o quanto me dediquei na cozinha, o quanto me dediquei buscando fornecedores confiáveis e locais para comprar nossos insumos do dia a dia, o quão pouco eu comprava produtos alimentícios no supermercado, o quanto eu me envolvi e investi energia para que nós quatro tivéssemos uma vida mais saudável, e que elas se sintam estimuladas a fazer o mesmo por elas.
*Este texto nasceu da tentativa de criar dicas para uma lancheira saudável. Diria que a maior dica que posso dar é: lembre da lancheira que você levava para a escola, quando era criança e os industrializados possivelmente não dominavam nosso dia a dia. Algumas dicas extras: envolva seu filho e sua filha na escolha dos itens que irão compor a lancheira. Envolva ele e ela na preparação dos itens que levarão para a escola. Façam um pão juntos(as) ou um bolo, e caso não seja possível, comprem juntos(as) na padaria, que seguramente não lançará mão dos mesmos aditivos quimicos e nas quantidades que a indústria usa. Variem as opções enviadas na lancheira para que as crianças tenham contato com diferentes preparações e não fiquem limitadas em seu universo que pode ser imenso, infinito. Enviem suco integral ao invés das versões industrializadas cheias de aditivos químicos e não se esqueçam da fruta, que precisa ganhar um lugar de destaque muito maior que o suco. Inclusive, aos que não quiserem se preocupar com o suco, acho mais interessante estimular as crianças a comer fruta e tomar água, hábitos essenciais para a vida. Ah! E, caso precisem lançar mãos dos industrializados, procurem os que não tem aditivos químicos (os famosos “antes” – estabilizante, conservante, corante, edulcorante, aromatizante).