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O ativismo da humanização de pets

  • Fernanda Galvão
  • 23 de dezembro de 2023
O ativismo da humanização de pets

Recentemente, parei para refletir sobre um fenômeno cada vez mais comum: a humanização de pets. O que antes era um traço de personalidade de alguns tutores, hoje parece ter se tornado um movimento quase militante – tão normalizado que muitas vezes passa despercebido. 

Os chamados “pais e mães de pet” constroem um estilo de vida em torno dessa relação, frequentando espaços *pet friendly* e priorizando ambientes onde seus animais sejam tão bem-vindos quanto eles. O problema surge quando essa dinâmica invade o espaço alheio sem permissão. Um convite para um jantar em casa, por exemplo, automaticamente inclui o pet – mesmo que nunca tenha sido dito isso. A justificativa costuma vir carregada de moral: *”Não deixamos nosso filho sozinho, então só vamos se ele puder ir também.”*  

 

A comparação entre pets e crianças humanas, no entanto, é falha. Pais e mães de humanos sabem que nem todo ambiente é adequado para seus filhos e que é saudável – para ambos – ter momentos de separação. Já os pets humanizados muitas vezes desenvolvem uma dependência emocional intensa, sofrendo quando precisam ficar sozinhos. Será que, no afã de “proteger”, não estamos criando animais ansiosos e inseguros?  

 

Outro ponto é a invasão de limites. Muitos tutores permitem que seus pets ajam em casas alheias como se estivessem na própria: subindo em móveis, demarcando território ou até “pedindo” comida à mesa. Questionar isso pode render olhares de reprovação, como se você fosse insensível a um “amor tão puro”. 

 

E não para por aí: o mercado aproveita essa tendência, criando necessidades artificiais – roupas, spas, festas de aniversário, até gourmetização de ração. Enquanto isso, a mesma compaixão dedicada a cães e gatos raramente se estende a outros animais, como porcos, vacas ou galinhas, vítimas de um sistema que poucos questionam. 

 

Aqui, uma provocação: será que esse ativismo pelos pets não esconde um amor mais cômodo? Um vínculo que não exige os desafios das relações humanas – onde há discordâncias, crescimento e mudanças? O amor aos animais é lindo, mas talvez precise de mais equilíbrio: respeitar sua natureza, seus limites… e os dos outros também.  

 

Como vegana, ouço muito: “Que bom que você não é daquelas chatas que impõem seu estilo de vida.” Já os “pais e mães de pet” raramente percebem que, muitas vezes, são eles que estão fazendo exatamente isso.

 

Agradeço a imagem de Pixabay, de Martin Bauschke