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O parto

  • Fernanda Galvão
  • 16 de julho de 2023
O parto

Um desejo nunca vem sozinho. Um desejo sempre vem acompanhado de outro desejo. Sempre quis ser Mãe. E para além disso, queria dar à luz da forma mais natural possível, talvez desejando também que a maternidade se apresentasse a mim da forma mais natural possível, sem me sentir diminuída, perdida ou pela metade.

 

Com a Tamara, Tatá, minha primeira filha, não foi possível dar à luz de forma natural. Acredito que, próximo dos 7 meses de gestação, ela sentou, cruzou as pernas e ficou assim, aguardando a data da cesariana. Foi a primeira de muitas adaptações de percurso que tive que fazer. De um parto normal, sem agendamento, me convenci rapidamente pelo agendado, mais seguro para o cenário que se apresentava. E foi um parto lindo, emocionante.

 

O desejo de ser Mãe de outro serzinho novamente veio acompanhado do desejo antigo de ter um parto natural. Dividi este plano com minha ginecologista e obstetra, que já me acompanhava há 10 anos, e ela me encaminhou para um médico especializado em partos humanizados. Apesar de gostar muito dela, segui suas orientações e fui atrás da realização desta experiência de vida.

 

Além das consultas regulares com o médico, participei de várias rodas de conversa com outras Mães, mediadas pela doula que trabalhava com ele. Exercitei meu períneo a gestação toda e fiz meu plano de parto para apresentar à Doula por escrito todos os detalhes por trás do meu desejo: parto sem analgesia, num lugar preparado para parto natural, não levar minha filha, Lorena, para o banho, não pingar colírio nela etc.

 

No dia 7 de setembro de 2014, com 40 semanas de gestação completas, estava na casa de uma de minhas cunhadas e entendi que meu corpo estava dando sinais de que a Loli estava pronta. Imediatamente, tive vontade de me recolher em casa e me auto conectar, ainda que pareça um pleonasmo, pois nunca havia entrado em trabalho de parto na vida. As contrações começaram de uma forma tímida, mas eu sabia que a timidez não duraria muito tempo. Meu trabalho de parto havia começado! Naquela noite, consegui dormir bem e, no dia seguinte, já comecei a receber as orientações da Doula. Passei o dia 8 inteiro me observando e vivendo o dia, entre uma contração e outra, mas parecia que meu estado não avançava muito. 

 

Dia 9, as contrações ficaram mais frequentes, mais fortes, mas nada que indicasse uma mudança de cenário. Eu seguia em casa, agora na casa dos meus Pais, pois a qualquer momento poderia precisar ir para a maternidade, e assim a Tamara já estaria sob os cuidados dos avós. 

 

O dia passou e, a meu pedido, ninguém foi trabalhar. Me senti assustada pela mudança repentina das contrações e achei arriscado ficar sem o apoio do meu marido e meus Pais. 

 

De noite, depois de convencer minha Mãe que eu estava sendo orientada pela Doula e que não precisava sair correndo para a maternidade, algo previsível aconteceu, e mudou tudo: minha bolsa estourou. Para minha surpresa, não saiu aquela “aguaceira” toda que eu imaginava, mas as contrações ficaram tão insuportáveis que eu não consegui mais me comunicar com a Doula. Passei a incumbência desta comunicação para meu marido e agradeci a Deus pela Tamara já ter dormido, assim eu não precisava disfarçar o meu sofrimento durante as contrações. 

 

Assim que meu marido entrou em contato com a Doula, recebeu a notícia de que o cachorro dela havia mordido a vizinha, uma senhora idosa, e que ela estava resolvendo a situação. Além disso, estava em casa sozinha, com seus 3 filhos, e precisava esperar seu sogro chegar para poder me acompanhar na maternidade. Suas palavras foram: “Segure as pontas aí, que resolvo tudo por aqui e te aviso para irem até a maternidade”. Neste momento, minha Mãe não se conteve e disse que tínhamos que voar para a maternidade, com ou sem Doula, e que quando eu chegasse lá, era para pedir analgesia, caso contrário, eu sofreria muito com o parto normal.

 

Nunca ignore um conselho de Mãe, principalmente se ela tiver tido a experiência de 3 partos normais. Neste momento, pegamos a bolsa da maternidade, dei um beijo na Tatá, quase chorei por saber que ficaria mais 2 noites sem fazê-la dormir, e fui. Saindo de casa, aconteceu algo inesperado. Um carro com mais de 3 homens parou em frente à casa dos meus Pais para pedir informação. Nós todos sentimos que era uma tentativa de assalto. Enquanto meu pai respondia a pergunta feita pelo condutor, eu tive uma contração muito forte. Não sei ao certo se foi a resposta do meu Pai ou a minha situação de pré parto, mas depois disso os homens se olharam e foram embora. Esta passagem poderia ter sido um delírio de uma mãe já transtornada por tantas contrações fortes, mas todos que estavam comigo tiveram a mesma impressão. 

 

O trajeto até a maternidade foi carregado de contrações fortíssimas e, pela primeira vez na vida, entendi o papel daquela alça que fica no teto do carro, chamada popularmente de “puta que pariu” e “puta merda”. Por mim, ela poderia ser batizada como “Doula”, pois me auxiliou a suportar a dor.

 

Chegando à maternidade, depois de uma “viagem”, entrei no hall e senti algo saindo de mim e tomando conta da minha calça jeans. Como eu havia escutado muitos relatos de partos naturais ao longo da gestação, tinha certeza de que havia “ido aos pés”, como dizia a minha Vó, ou “me cagado toda”, como dizia meu Tio. 

 

Entrei numa salinha de pré atendimento e a primeira coisa que me pediram foi que tirasse a calça. Já avisei de antemão que podia estar toda “suja” por baixo, mas elas trataram tudo com naturalidade. Agradeci por perceber que era o resto do líquido da minha bolsa que havia saído e me concentrei então nas contrações, agora que o mistério da calça tinha sido resolvido.

 

No toque, a médica já me disse que estava sentindo a cabeça da Lorena e que, se eu quisesse analgesia, aquele era o momento de pedir. Minha resposta foi: “Minha Mãe disse pra eu pedir”. A médica refez a pergunta: “E, o que VOCÊ quer?”. Nesta hora, como num passe de mágica, a Doula apareceu e me lembrou do meu plano de parto, do meu desejo de não ter analgesia e respondi com segurança que não queria. Além disso, ela me contou que o obstetra estava a caminho.

 

O pré atendimento foi recheado de contrações acompanhadas de gritos que eu nunca imaginei que pudessem sair de dentro de mim. Entre os intervalos, eu aproveitava para me desculpar pelos gritos com todos os que estavam presentes. Uma hora, uma das enfermeiras me tranquilizou: “É muito normal gritar. Aproveite os intervalos das contrações para respirar e se preparar para a próxima”, mas até respirar era difícil, já que a fumaça e cheiro do cigarro de quem estava fumando fora da maternidade invadiam a sala e tornavam o ar insalubre.

 

Neste dia, percebi que, como uma amiga minha diz, “o papel aceita tudo”. Tudo o que eu havia escrito no meu plano de parto não estava acontecendo. Desejei parir numa das salas equipadas para parto humanizado, mas fui levada para uma sala que não tinha nem apoio para colocar os pés e fazer força. Tentando ficar numa posição menos desconfortável (não existe o termo “mais confortável” num trabalho de parto), meu marido e obstetra entraram na sala paramentados. 

 

O médico pediu que eu apoiasse os pés em sua barriga para fazer a força necessária. Disse: “Por isso tenho esta barriga tão grande”. Não pude nem rir de seu comentário, e lá veio outra contração,  mais forte que todas. Acredito que eu tenha apoiado os pés com tanta força, que o médico eructou e a sala foi tomada por um cheiro horrível de geladeira. Em seguida, ele comentou que estava em casa, comendo comida árabe quando foi convocado para aquela missão. 

 

O parto natural durou poucos minutos e, numa última contração em que recebi a orientação de não fazer mais força, a cabeça da Loli saiu de dentro de mim. Em seguida, o médico tirou seus ombros, um braço, outro braço. Fui acompanhando aquilo tudo num misto de admiração, cansaço, dor, amor. O médico me deu a última orientação: “Puxe ela”. Rapidamente, me curvei, segurei-a por baixo dos minúsculos braços e eu mesma tirei a Loli de dentro de mim. Coloquei-a do lado esquerdo do meu peito e a amamentei pela primeira vez. Um momento memorável, que tampouco estava programado no meu plano de parto. 

Agradeço a imagem de Visualhuntm Banc Imatges Infermeres