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O pós parto

  • Fernanda Galvão
  • 23 de julho de 2023
O pós parto

Depois de gestar minha filha Lorena por 40 semanas, tive o prazer de eu mesma tirá-la de dentro de mim, num parto natural sem analgesia, depois de 2 dias de contrações.

 

Enquanto a amamentava pela primeira vez, emocionada e cansada, não percebi que o obstetra forçava a retirada da minha placenta, ainda que no plano de parto humanizado tivesse escrito que gostaria de expulsá-la sozinha, em contrações naturais.

 

Ao forçar o que naturalmente estava previsto para acontecer, o médico apertou o “botão de start” de uma sucessão de eventos ruins do meu pós parto. Minha placenta se despedaçou, e ele começou a retirar os pedaços, enquanto eu me concentrava em reforçar o vínculo afetivo com minha filha, amamentando-a. Já havia perdido sangue no parto e, este procedimento fora do plano, me fez perder ainda mais.

 

Fui para o quarto já muito debilitada e, assim como na cesariana da minha primeira filhota, tiveram que me colocar no soro. No dia seguinte, o médico foi me ver e, ali mesmo no quarto, novamente fez mais uma tentativa colocando sua mão dentro do meu útero, retirando coágulos e pedaços de placenta, sem me dar nenhuma outra alternativa. Quando percebeu que havia muito ainda para sair, e que a perda de sangue estava grande, me levou para a mesma sala de pré atendimento em que decidi, depois de titubear, pelo parto sem analgesia, e ali, com uma estrutura um pouco melhor, fez mais uma tentativa, a terceira, de limpar meu útero. Depois de sofrer muito, desmaiei. 

 

Confesso que senti mais dor nas 24h em que fui submetida a três tentativas de retirada da placenta do que em todo o meu trabalho de parto. Parir um bebê sem analgesia tinha sido uma escolha consciente minha. Ter a placenta despedaçada e sofrer estes procedimentos de retirada dos fragmentos, como se fossem “curetagens manuais” , sem anestesia, não foi uma escolha minha.

 

Somente depois de estar anêmica, ter desmaiado, não poder sair do soro, o médico se convenceu de que era melhor marcar uma curetagem com anestesia. No dia seguinte descobri, já anestesiada, que não poderia amamentar durante 24h, uma informação que não me faria mudar de ideia em relação à curetagem, mas que deveria ter sido dita antes. Passei pelo procedimento, engoli o choro ao ver minha pequena, com 2 dias de vida fora do meu útero, mamando leite artificial e me preparei para irmos para casa. Na saída da maternidade, o médico novamente foi me ver e falou: “ACHO que retirei tudo o que tinha no seu útero. Agora coma muito feijão e nos vemos em 40 dias no consultório, nem um dia antes, nem um dia depois”. Da Doula, não recebi nenhuma mensagem o tempo todo em que estive na maternidade. 

 

Cheguei em casa e, depois de afofar muito a Tatá, e amamentar a Loli, marquei para o dia seguinte uma consulta com a minha médica obstetra, que havia indicado o médico especializado em partos humanizados.

 

Na consulta, ela me disse que precisava ficar muito atenta a alguns sinais de infecção, que era muito séria a minha condição, e que ela não arriscaria fazer uma curetagem, procedimento às cegas. Marcamos neste mesmo dia outro procedimento, com vídeo, para que enfim eu pudesse virar a página e aproveitar minha vida de Mãe de duas meninas. Além disso, me tratou, com alopatia, de uma anemia severa, que não teria sido curada somente com feijão.

 

Após alguns dias, já mais fortalecida, recebi uma mensagem da Doula: “Costumo fazer uma dinâmica com a placenta, que seria mergulhá-la em tinta e carimbá-la em folhas de papel, para emoldurar. Uma pena que não tenha sido possível fazer esta vivência contigo. Um abraço”. Pensei em contar tudo o que havia passado e dizê-la que eu estava muito distante de “sentir muito pela dinâmica da placenta emoldurada, enfeitando minha sala”. Decidi não fazer nada. Até hoje penso como pessoas que se propõem a realizar partos humanizados podem ter ações de tão pouca humanidade.

 

Minha experiência colocou o parto natural fora do pedestal, lugar onde imagino que deveriam estar todas as experiências de vida de todos nós. Coloquei também os dois profissionais que me acompanharam fora deste pedestal, lugar onde também penso que todos nós, seres humanos, deveríamos estar. A experiência que tive  com os dois profissionais e o parto humanizado não foi a mais incrível que me aconteceu, não foi romântica, não foi um sonho, não me senti apoiada, cuidada e não me recuperei rapidamente. 

 

Hoje consegui, pela primeira vez, escrever sobre tudo o que me aconteceu. Sinto como se meu corpo tivesse se contraído e expulsado o último pedaço que eu ainda guardava desta história de vida.

 

Agradeço a imagem da Vila Materna.