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Relações infinitas

  • Fernanda Galvão
  • 25 de junho de 2023
Relações infinitas

Vim ao mundo com a certeza de que não seria possível conhecer fisicamente, neste plano terrestre, meu Avô materno, Erwino. Ao longo da minha vida, tive a oportunidade de conhecê-lo de outra forma, através dos relatos emocionados da minha Mãe, dos relatos apaixonados da minha Avó materna, Ignês, e dos relatos científicos da minha irmã, que tampouco o conheceu, mas carrega dentro dela os genes de pesquisadora dedicada e competente, que herdou do nosso Avô.

 

Enquanto admirava a vida do meu Avô com distanciamento, vivia a minha vida com muita aproximação da minha Avó. Em todos os momentos mais soltos, felizes, encantados, lúdicos da minha vida, de muita interação com minhas primas, primos, tios e tias, ela esteve lá. Na minha fase criança e adolescente, estive com ela em praticamente todas as minhas férias. Mas não estivemos juntas somente nos momentos em que o relógio dava uma trégua e podíamos ver a vida de outra forma, mais leve, sem pressa. Ela esteve comigo todas as vezes em que adoeci. Bastava uma ligação da minha Mãe, contando que não estávamos bem de saúde, que ela deixava tudo o que estava fazendo em Porto Alegre, para se deslocar até Curitiba e fazer seus xaropes de beterraba milagrosos. Xaropes estes que não posso assegurar se eram realmente curativos, ou se era a presença dela que nos fazia melhorar de qualquer tipo de enfermidade.

 

A relação com meus Avós paternos era um tanto diferente. Quando digo relação diferente, minha intenção é realmente chamar a atenção para a palavra relação, pois o amor que sentia por eles era tão forte quanto o amor que sentia pela minha Avó materna… apenas não tivemos tantas oportunidades de convívio. 

 

Analisando hoje as vivências que tive com meus Avós paternos e minha Avó materna, percebo que eram completamente diferentes. Tive escassez e abundância de vivências em cada um dos dois lugares que escolhesse estar, de tal forma que o saldo foi surpreendentemente equilibrado.

 

Para minha avó materna, sempre faltava dinheiro, mas minha percepção lia o contrário. Para meus avós paternos, nunca faltava dinheiro, mas minha percepção lia o contrário. Minha avó materna estava sempre com a mesa pronta para receber qualquer pessoa que decidisse sentar ali pra comer, sem aviso prévio. A mesa dos meus avós paternos só era posta para quem havia previamente sido convidado a comer. A casa da minha avó materna tinha vida própria e dormia muito tarde. A casa dos meus avós paternos era silenciosa e se recolhia cedo. Confesso que em minha fase criança, com o estoque de energia infinito, ter a oportunidade de estar inserida na “baguncinha” da minha Avó materna era tudo o que eu podia querer. Mais madura e grávida da minha primeira filha, com o estoque de energia tendo que ser administrado de uma forma mais estratégica, tive a oportunidade de dormir alguns dias na casa dos meus Avós paternos. Estar inserida naquele ambiente mais reservado fez muito sentido pra mim.

 

Quando somos crianças, não imaginamos a vida sem Avós. São eles que nos mimam, nos dão colo, comidinhas diferentes das habituais, nos oportunizam a convivência com primos e primas, nos cuidam quando estamos doentes. Quando somos jovens adultos, eles estão conosco a cada conquista: formatura, primeiro emprego, casamento. Me alegro por ter tido a oportunidade de dividir uma boa parte da minha vida com três dos meus quatro avós. 

 

Me flagrei que os Avós não eram pra sempre quando perdi minha Avó materna. Depois de poucas semanas da despedida, descobri que estava esperando minha primeira filha. Naquele momento, também entendi como funciona o ciclo da vida. Eu me despedindo de minha Avó e me preparando para dar as boas vindas à minha filha. 

 

Quando meus três avós descansaram, tive a sensação de que estava perdendo, a cada passagem de cada um deles para o plano celeste, uma porção de mim criança. Agora, para manter vivo meu lado criança, preciso me voltar às minhas filhas e admirar a relação que elas tem construído com seus próprios Avós. E o ciclo, continua, infinitamente.

 

Agradeço pela imagem da Pixabay, de Mari Carmen Díaz.