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Inaugurei a minha vida virtual em 1995, com o advento do “Mirc”, uma rede social para bate papo. Na época, o pré requisito para acessar o mundo virtual das amizades era ter um computador com acesso à internet discada. Lembro do som das tentativas de conexão e o som que meu coração fazia, numa batida acelerada, na torcida para estar virtualmente entre amigos e desconhecidos. Neste lugar, cada um tinha seu nickname (apelido, e não nome), e simplesmente escolher um representativo, para alguns, já era um ato de libertação e rebeldia. Lembro de alimentar vários sentimentos reais neste ambiente virtual: ciúmes, inveja, raiva, tristeza, alegria. Ali, era impossível mostrar a minha essência, criar intimidade e aprofundar relações. Os assuntos também eram despejados todos ao mesmo tempo, numa bagunça adolescente sem muita lógica. Lembro também dos encontros reais com os grupos que eu fazia parte, não só para matar a curiosidade sobre o fenótipo dos nicknames, mas também, talvez, na tentativa de trazer para o real uma experiência 100% virtual e fazer tudo ter mais sentido.
Depois, em 2004, veio o Orkut, uma nova rede social bem mais organizada e que permitia inclusive o upload de fotos. Corri para garantir o meu lugar ao sol e, aos poucos, fui entendendo suas funcionalidades. Lembrei de várias pessoas que eu tinha curiosidade de saber como estavam na vida de jovem adulta(o). Era incrivel poder encontrar as pessoas pelos seus nomes completos – e eu lembrava do nome e sobrenome de muita gente dos colégios que eu estudei. Algumas surpresas foram boas, outras nem tanto. Algumas conexões eu desejei fazer, outras não.
Não sei exatamente quando deixei de alimentar o meu perfil no Orkut e migrei para o Facebook, fazendo o mesmo movimento de buscar as pessoas que eu conhecia para matar a curiosidade. Era uma “stalkeada geral” e depois já não me interessava muito seguir acompanhando a vida das pessoas. Tinha uma amiga que postava, por exemplo, a unha dela a cada semana. Eu pensava: “Como alguém imagina que outro alguém teria curiosidade em saber como andam suas unhas?”. Tinha uma outra pessoa próxima que quando ninguém conseguia saber onde estava, bastava acessarmos o Facebook para saber detalhes de seu paradeiro. Eu achava aquilo surreal… não combinava com meu perfil reservado.
Acredito que em 2013, a rede social, para mim, saiu do lugar de novela, onde se acompanha o cotidiano das pessoas num roteiro muitas vezes escrito para agradar o público, para um lugar onde realmente a valorizei: um espaço para postar o que penso sobre alimentação, minha área de formação. Meu erro, nesta mudança, talvez tenha sido esquecer de avisar as pessoas que queriam assistir minha novela cotidiana, que eu tinha resolvido escrever um documentário sério. Lembro como se fosse hoje a mudança de roteiro do meu perfil. A época era muito propícia para eu informar quem me seguia sobre os cuidados que tínhamos que ter ao comprar os chocolates para a Páscoa das crianças. Alertei sobre rotulagem, procurando informar que precisavam se atentar aos ingredientes do ovo que iriam comprar (“açúcar por primeiro, não é chocolate, é doce”). Alertei sobre os aditivos químicos, sobre a questão dos brinquedos porcaria que vinham junto com os ovos, enfim, abri meu coração de nutricionista e de Mãe, e fui recebendo devolutivas muito positivas de pessoas que me disseram não saber daquelas informações e que as minhas postagens estavam ampliando seus horizontes. Depois da Páscoa, ainda muito estimulada a propagar minhas ideias, postei que minhas filhas tinham ganho muita coisa e que eu tinha feito uma triagem e decidido deixar em casa somente o que eu aprovava. Os presentes doces que não passaram pelo crivo de mãe comprometida com a saúde de suas filhas, iria doar. Assim que postei, recebi de novo noticias de muitas pessoas estimuladas a fazer o mesmo e algumas poucas pessoas muito incomodadas, e expondo publicamente seu incômodo (ainda que pudessem falar pessoalmente comigo), porque certamente os chocolates que haviam dado para as minhas filhas não tinham sido aprovados por mim. Ali decidi excluir meu perfil que iniciou como novela e abrir outro sobre Nutrição. Me seguiriam as pessoas que realmente gostavam das minhas ideias e ações, sem julgamentos ou chateações pessoais.
Com este novo modelo de uso da rede social, fui me distanciando cada vez mais do acompanhamento de perfil das “pessoas novela”, inclusive me incomodando com o excesso de exposição. Mães reclamando das escolas de seus filhos publicamente, esposas reclamando dos maridos, momentos muito íntimos, vividos previamente somente pelos envolvidos, mas filmados, editados e postados para os seguidores expectadores terem a mesma experiência íntima do casal. Enfim, muitas selfies, principalmente aqueles em frente ao espelho do elevador, looks do dia, unhas da semana… tudo o que considero não útil para a minha vida real.
Penso sempre que se temos seguidores, possivelmente temos influenciados. O que quero influenciar com aquilo que estou postando? Será que são postagens somente para eu me sentir bem, para receber a atenção que desejo, o elogio que preciso ou até fomentar a inveja do outro (parece absurdo)? Eu seria capaz de contar para todo mundo que me segue, ou acharia necessário que estas pessoas soubessem de tudo o que posto no meu perfil? Estes são sempre meus critérios para qualquer postagem. E, mesmo pensando assim, ainda sobra muito conteúdo interessante para postar!
Nestes perfis abertos, como o meu, muitas pessoas não conhecem parte dos seus seguidores. Nunca viram na vida, não tem nenhuma relação de intimidade. Mas se o perfil aberto é do tipo novela do cotidiano, e se você é um seguidor fiel, provavelmente saiba mais do protagonista do perfil do que família e amigos íntimos dele.
Quando me deparo com um perfil assim, tão exposto e pouco informativo, me entristeço por terem uma coleção de seguidores. Penso que pior do que postar conteúdos rasos e nada sensíveis é ter pessoas que se interessam por “nada” e consomem aquilo diariamente.
Quando iniciei minhas postagens sobre Nutrição, sentia, ao postar algo, que criava uma expectativa sobre a aceitação daquele conteúdo. Isso gerava uma ansiedade dentro de mim, um sentimento que não me agradava. Não era somente postar e me aquietar. Eu postava e ia conferir, de tempos em tempos, o impacto daquela conteúdo nas pessoas que me seguiam. Hoje, já consigo postar e esquecer. Fiquei tão boa em esquecer que depois de alguns dias, quando entro de novo para fazer alguma nova postagem, vejo os comentários do que postei e preciso rever a postagem para lembrar sobre o que foi. Prefiro me deparar com este tipo de situação do que ficar refém da aceitação do outro.
Para mim, intimidades compartilhadas em redes sociais, fazem com que a sensação de intimidade real se perca. Para alguém que expõe como acorda, o que come, sua rotina de trabalho, de esportes, vida social, vida familiar, o que sobra para compartilhar com as pessoas reais que as cercam? Sobra se referenciar pelas postagens? “Não sei se viu que eu fiz uma viagem… postei no Insta”, “Você viu que eu postei que mudei de emprego?”, “Viu que eu postei que me separei? Então…”. Minha resposta é sempre: “não vi, não acompanhei, mas me conta, agora que estamos aqui, cara a cara!”
O que compartilho com minha família e amigas próximas ficam no âmbito da intimidade e não são publicados. Se estou doente, informo meus íntimos, que são as pessoas que realmente poderão me apoiar na prática. Minhas postagens não tem margem para dúvidas sobre aquilo que estou informando. Sabem aquelas postagens “enigma” que a pessoa só bate uma foto no hospital e pronto? Imagino a chuva de mensagens querendo saber o que aconteceu. Ou aquelas postagens com mensagens de indignação onde a pessoa não conta o motivo, somente desabafa e, quem segue, morde a isca e pergunta; “Mas o que aconteceu? Por que está tão indignada? Me contaaaaa!”.
Algo que nunca faço é parar o que estou vivendo na vida real para atender aos pedidos inexistentes, inventados, da minha rede social. Se tiro uma foto de algum momento ou prato, não me sinto tentada ao imediatismo da publicação. Não por ser caprichosa e precisar “trabalhar” na imagem. Mas sim porque simplesmente gosto de me dedicar ao momento que estou vivendo e as pessoas que estão ao meu redor.
Eu me sentiria muito mal se minha motivação para ir dançar, me exercitar, passear, viajar ou ver pessoas tivesse como fundo de pano a produção de conteúdo para a minha rede social. Penso que a motivação para fazer qualquer coisa na vida precisa vir de dentro da gente, precisa ser naturalmente construída. Vejo muita gente fazendo muita coisa considerando em primeiro lugar o engajamento nas redes sociais.
Desculpem o desabafo, mas muitas vezes escuto de pessoas muito ativas em redes sociais que não teriam tempo de se dedicar à alimentação, por exemplo. “Puxa, adoraria cozinhar mais, como você, mas não tenho tempo” (como se eu tivesse muito tempo livre). Tempo é questão de prioridade. Eu priorizo meu tempo com a família, com amigas e amigos, tempo em tudo o que envolve me alimentar com autonomia, meu trabalho, atividade física, leitura, escrita… Cada um é livre para escolher o que priorizar. Falta de tempo não pode ser um argumento. Falta de prioridade sim.
Agradeço a imagem de Pixabay.